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quinta-feira, 9 de abril de 2009

PALESTRA JORNALISTA WASHINGTON NOVAES

A belíssima palestra proferida pelo jornalista Washington Novaes em setembro de 2008 em Florianópolis no Programa Brasil em Debate, da Assembléia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) é leitura obrigatória para quem tem um mínimo de preocupação com as questões ambientais, com o planeta e com a vida.

Agradecemos a ALESC pela gentil autorização de reproduzirmos no blog da RPPN Rio das Lontras essa verdadeira aula de jornalismo e cidadania.
Em especial à Rosana Brasca Cajuella, Coordenadora de Eventos e Tayana Cardoso de Oliveira, Coordenadora de Imprensa.


LIMITES DA SUSTENTABILIDADE NO BRASIL E NO MUNDO

Washington Novaes

Conhecido por incluir o meio ambiente e a questão indígena como temas centrais do seu trabalho, o jornalista Washington Novaes já foi repórter, diretor e colunista em diversas das principais publicações nacionais, como Folha de S.Paulo, Veja, Última Hora, Visão, Correio da Manhã, O Jornal e Gazeta Mercantil.

Na televisão, foi diretor, editor e comentarista da Rede Globo, TV Manchete, TV Rio, Rede Bandeirantes e TV Gazeta, além de documentarista e produtor independente. Dedica-se à profissão de jornalista há mais de 50 anos, mas também se formou em Direito.

Entre 1991 e 1992, Novaes foi secretário do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal e consultor do primeiro relatório nacional sobre diversidade. Também participou das discussões para a Agenda 21 Brasileira, um dos principais resultados da Eco-92. Atualmente, Novaes é colunista dos jornais O Estado de S.Paulo e O Popular e consultor de jornalismo da TV Cultura, onde é supervisor-geral e comentarista do programa Repórter Eco e Balanço Social.

Entre os documentários que dirigiu estão a série Xingu – A Terra Ameaçada e O Primeiro Mundo É Aqui, que destaca a importância dos corredores ecológicos no Brasil. Autor de 13 livros, o jornalista também conquistou diversos prêmios nacionais e internacionais, entre eles o Prêmio Unesco de Meio Ambiente, em 2004.

Na sua participação no Programa O Brasil em Debate, o jornalista fez vários alertas contundentes, trazendo estudos e considerações dos maiores cientistas do mundo. Novaes acredita que as mudanças climáticas são a mais grave ameaça à sobrevivência da humanidade atualmente, causando desastres naturais como furacões, ciclones, inundações e secas. Ele lembrou que o Brasil é o quarto maior emissor de gases nocivos do planeta, e acrescentou: “Estamos vivendo uma crise do padrão civilizatório com um modo de viver insustentável. Ou seja, nossos hábitos não são compatíveis com as possibilidades do nosso planeta”. As análises realistas trazidas por Novaes na palestra de O Brasil em Debate levam o espectador à seguinte conclusão: o planeta e a vida humana estão integralmente ameaçados pela produção e pelo consumo.


Com a palavra, Washington Novaes:

(PALESTRA EM 15/09/08)


Fico muito honrado de estar aqui nesta noite e tratar desse tema tão difícil, tão complicado no mundo de hoje, que é a questão da sustentabilidade. Mas antes de entrar nele, quero fazer alguns esclarecimentos. Primeiramente, quero dizer que não sou nem cientista, nem o que costumam chamar de ambientalista ou de jornalista ambientalista. Sou apenas jornalista há 52 anos e nesse tempo de profissão e mais o tempo de vida ensinaram-me que tudo o que o ser humano faz tem impactos sobre o meio físico, sobre o solo, sobre a água, sobre o ar que respiramos ou sobre os outros seres vivos, inclusive os que nos alimentam.

É impossível abordar qualquer tema hoje sem tratar desses impactos, mas eu acho que eles não devem ser tratados separadamente. Eu acho que, seja qual for a natureza do tema, pode ser política, economia, cultural ou social, é preciso saber como isso se coloca sob o ângulo dos impactos que o ser humano está produzindo. E é por isso que eu tenho tratado com freqüência desse tema, seja no que escrevo em jornais ou no que faço na televisão.

Quero começar dizendo que nós estamos vivendo um novo tempo no mundo. Não se trata mais apenas de cuidar do meio ambiente, de protegê-lo. É bastante mais complexo e difícil. Trata-se de não ultrapassar limites que colocam em risco a própria vida, inclusive a vida humana.

Eu costumo citar Kofi Annan, que durante mais de uma década foi secretário-geral da ONU, um homem experiente, inteligente, talentoso, com larga vivência do mundo todo, a começar pelo continente onde nasceu, a África. Kofi Annan costumava dizer, como secretário-geral da ONU e continua repetindo, que o problema central da humanidade hoje não está no terrorismo, como parece. O problema está nas mudanças climáticas já em curso e nos padrões globais insustentáveis de produção e de consumo. Essas duas questões, diz Kofi Annan, com toda razão, é que ameaçam a própria sobrevivência da espécie humana.

É muito grave ouvir isso de uma pessoa com essa experiência, com essa competência, mas não há como fugir. E são desses dois grandes limites que vamos tentar tratar aqui um pouco esta noite.

Vamos começar, então, com as mudanças climáticas.

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que é o órgão científico da Convenção do Clima e que reúne mais de 2,5 mil cientistas do mundo inteiro, no final de 1996 emitiu o seu quarto grande relatório dizendo que se as emissões de gases que intensificam o efeito estufa continuarem no ritmo atual, no século XXI a temperatura da Terra se elevará entre 1,4°C e 5,8°C; o nível dos oceanos subirá entre 18cm e 59cm; e secas, inundações, ciclones, furacões e outros chamados desastres naturais aumentarão.

Esse relatório do IPCC, como é chamado, tem uma característica diferente dos relatórios anteriores, é que só entraram nele as avaliações e previsões que tiveram o consenso entre os cientistas e que eles consideraram que têm mais de 90% de probabilidade de se efetivar.

Então, dizem eles nesse trabalho, a temperatura da Terra já subiu 0,8°C depois da revolução industrial em conseqüência de ações humanas, e quem achar que 0,8°C ou 1°C não quer dizer muita coisa, basta lembrar o que acontece no organismo humano quando a temperatura sobe um grau. Começa um processo de febre que se não for contido pode levar a conseqüências muito sérias. Mas dizem os cientistas do IPCC que seja o que for que façamos no mundo, a temperatura da Terra vai subir mais 1,3°C até 2050, portanto, com o 0,8°C que já subiu ela chegará a 2°C de elevação. E para evitar que esse aumento da temperatura vá além de 2°C, o que teria conseqüências de extrema gravidade, será preciso reduzir as atuais emissões de gases que contribuem para o efeito estufa em 66%, dois terços das atuais emissões, mas elas continuam aumentando e não há ainda nenhum acordo que tenha conseguido reduzi-las.

Em conseqüência disso, os chamados desastres naturais continuaram aumentando brutalmente em seis meses. No primeiro semestre deste ano, só os desastres mais graves deixaram centenas de milhares de mortos no mundo, entre 157 milhões de pessoas que foram atingidas de alguma forma pelas secas, pelas inundações, pelos ciclones e pelos furacões. Os prejuízos materiais nesse primeiro semestre do ano foram de US$ 82 bilhões, o que está deixando a indústria seguradora em pânico no mundo todo. E o Brasil já é o 11º país em vítimas de desastres naturais. Não há ainda uma atualização de dados sobre 2006 e 2007, mas em 2005 o Brasil teve 110 mortes e dezenas de milhares de desabrigados.

Gases mortais

No ano passado, as emissões de gases do efeito estufa no mundo estiveram acima de 25 bilhões de toneladas equivalentes ao dióxido de carbono. Os Estados Unidos respondem por cerca de 21% disso, mas já foram superados pela China, que neste ano passou a ser o maior emissor, com 24% das emissões totais. E o Brasil, embora seja difícil pensar nisso, já é o quarto maior emissor do planeta. Segundo o inventário – e o Brasil até hoje só fez um inventário –, das suas emissões correspondentes ao ano de 1994, o Brasil já emitia mais de um bilhão de toneladas por ano de dióxido de carbono e mais de 30 milhões de toneladas de metano.

O metano, embora permaneça muito menos tempo na atmosfera que o carbono, tem um efeito 23 vezes mais grave que o dióxido de carbono. Então, esses 30 milhões de toneladas de metano, na verdade, equivalem a mais de 250 milhões de toneladas de dióxido de carbono. E há um estudo do Banco Mundial, do ano passado, que já estima para o Brasil mais de 2 bilhões de toneladas de emissões de carbono em 2004, ou seja, 40% a mais do que os números do inventário de 1994.

As nações do chamado G-8, grupo dos oito países mais fortes economicamente, no ano passado emitiram 14,3 bilhões de toneladas. Portanto, 2% a mais que em 2000 e 0,7% acima de 1990, quando, na verdade, essas nações já deveriam estar 5,2% abaixo, segundo as regras do Protocolo de Kyoto. Os Estados Unidos emitiram 16% mais do que em 1990. Na verdade, só a Alemanha, a Inglaterra e a França, entre as oito nações do G-8, conseguiram até agora reduzir um pouco as suas emissões.

No caso brasileiro, há uma peculiaridade sobre a qual é preciso pensar muito: quase 75% das emissões brasileiras não se devem à nossa matriz industrial nem ao sistema de transportes, às emissões por veículos, mas quase ¾ das emissões brasileiras se devem às mudanças do uso do solo, aos desmatamentos e queimadas; às mudanças no uso do solo para a implantação de projetos agrícolas ou pecuários, queimadas e desmatamentos principalmente na Amazônia. A Amazônia responde por 59% dessas emissões e o restante é quase todo no Cerrado, tendo desmatado cerca de 22 mil km² a cada ano. De 2000 para cá, o Brasil já desmatou quase 150 mil km².

Agora, seria preciso ver, então, qual é a perspectiva que temos com esse quadro. A Agência Internacional de Energia diz que o consumo de energia no mundo aumentará 71% até 2030 e que 80% das emissões de gases que contribuem para as mudanças climáticas se devem à queima de combustíveis fósseis, de petróleo e de gás de carvão mineral. Então, a perspectiva é de que com esse aumento de 71% no consumo de energia no mundo haverá um aumento muito forte nas emissões. Só na China, o consumo de energia vai crescer 33% em uma década. E a China está abrindo praticamente uma usina nova por semana, movida a carvão mineral – que é a fonte mais poluidora. Na Índia, o crescimento previsto é de 51% em uma década. Convém lembrar que os dois países juntos, China e Índia, já têm quase 2 bilhões e meio de pessoas.

Então, para que o quadro pudesse se conformar com o que o IPCC sugere, ou seja, com uma redução de 66%, os países industrializados precisariam reduzir as suas emissões violentamente, entre 60% e 80%, num prazo relativamente curto, porque eles consomem, hoje, 51% do total de energia. Um habitante dos países chamados desenvolvidos consome, em média, 11 vezes mais energia do que um habitante dos países mais pobres.

Dessa forma, o Protocolo de Kyoto, que regulamenta a Convenção do Clima, em 1997, cinco anos depois da convenção assinada, esse protocolo foi aprovado em Kyoto e estabeleceu que esses países industrializados já deveriam reduzir as suas emissões em 5,2%, a partir deste ano, 2008. Mas os Estados Unidos, que até agora era o maior emissor, não homologou o protocolo. Na época, a Austrália, a maior exportadora de carvão mineral, também não homologou, e outros países, como os países exportadores de petróleo, da mesma forma não homologaram.

Então, o protocolo levou muito tempo para entrar em vigor, ainda não deu os resultados e já vai terminar o seu prazo de vigência. Ele termina em 2012, e para que haja um novo acordo é preciso que um novo protocolo seja aprovado no máximo até o final de 2009. E ele está em negociações que ainda não permitem antever isso.


Sem solução a curto prazo

O problema central é que nós não temos nem instituições nem regras universais capazes de promover as mudanças necessárias na escala global. Não vai adiantar fazer aqui, ali ou naquele outro país. É preciso que haja uma regra universal e uma instituição capaz de fazer cumprir essa decisão.

Nós não temos esse caminho, esse instrumento. O mais próximo que nós temos são as convenções da ONU, como a Convenção do Clima, a Convenção da Biodiversidade e alguns protocolos. Mas as convenções da ONU, para que sejam aprovadas, é exigido um consenso entre todos os países participantes. Isso é dificílimo de ser conseguido, porque os interesses são muito contraditórios, muito divergentes. Imaginem as divergências entre um grande país exportador de petróleo e um país consumidor de petróleo.



“Nós estamos consumindo no mundo hoje 25% além da capacidade de reposição de recursos naturais e serviços naturais pelo planeta. Estamos gastando mais do que o planeta pode repor.”



Então, esse caminho não tem resultado e grandes avanços. E mais uma vez a Agência Internacional de Energia diz que no ritmo atual o petróleo vai diminuir um pouco a sua participação na energia de 38% para 33%, o carvão, de 24% para 22%, e o gás vai aumentar de 24% para 26%. E as energias renováveis, chamadas energias mais limpas, subirão apenas de 8% para 9% do total.

Há países governantes e pessoas que dizem que a solução não virá de mudanças na matriz energética, em substituir essas fontes poluidoras, e sim em tecnologias que possam permitir continuar usando as mesmas fontes, mas sem as emissões. A principal esperança é depositada numa tecnologia que é chamada de seqüestro e sepultamento de carbono, que consistiria no seguinte: vamos imaginar uma usina movida a carvão mineral que é queimado, então, captar as emissões no próprio local, na própria usina em grandes dutos, em grandes encanamentos e levar isso para o fundo da terra ou para o fundo do mar. E aí poder continuar queimando carvão, petróleo ou gás e levá-lo para o fundo da terra ou para o fundo do mar.

Há apostas de que as células de combustível, principalmente à base de hidrogênio, permitirão substituir combustíveis poluentes, como hoje o diesel ou a gasolina, que os veículos híbridos contribuirão para isso, e que as energias chamadas de alternativas, a energia dos ventos, a energia do sol, das marés e dos biocombustíveis, também conduzirão a esses resultados.

O Painel do Clima, o IPCC, já fez uma avaliação prévia, técnica, apenas desse caminho principal que seria o seqüestro e sepultamento de carbono, dizendo o seguinte: tecnicamente é viável, é possível fazer isso, ou seja, seqüestrar o carbono e levá-lo para o fundo da terra ou para o fundo do mar. Resta responder a questões de ordem geológica, hidrológica e de várias outras naturezas da biodiversidade.


Previsões catastróficas

Os geólogos dizem que os riscos são muito altos, que é impossível saber o que acontecerá mudando essa composição no fundo da terra com a introdução desses poluentes. Pode haver conseqüências, pode haver fraturas, deslizamentos e outras coisas. Os hidrólogos dizem que certamente haverá contaminação dos lençóis subterrâneos, dos lençóis freáticos. E os especialistas em biodiversidade marinha dizem que certamente será um desastre no mar, porque não há como conter isso, simplesmente será colocado dentro do mar.

Então, isso tem levado personalidades como Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, que fez aquele documentário importante sobre o clima, a dizer: “Nós estamos vivendo uma emergência planetária”.

Um empresário importante como Richard Samans, que é o presidente do Fórum Econômico de Davos, principal fórum econômico dos empresários no mundo, diz o seguinte: “Nós estamos 15 anos atrasados; o desafio na área do clima é assustador”.

E o cientista brasileiro que mais se tem destacado nos estudos sobre o clima, que é o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em Cachoeira Paulista, diz o seguinte: “Não há como reverter o quadro. A roda já está girando a uma velocidade tão alta que não dá mais para parar. Talvez dê para diminuir a velocidade”. É um diagnóstico muito grave de um cientista muito respeitado.

No final de 2006, também surgiu outro documento que provocou uma mudança muito grande no quadro da discussão sobre o clima, que foi o chamado Relatório Stern, que é um relatório sobre conseqüências econômicas das mudanças climáticas. Ele foi coordenado por Sir Nicholas Stern, que é o ex-economista chefe do Banco Mundial. Então, não é um ambientalista radical, não é um cientista exaltado, não é nenhuma dessas coisas, é um economista conservador, tradicional e que fez um relatório a pedido do governo britânico.

No relatório dele está o seguinte: “Mudanças climáticas poderão mergulhar a economia mundial na pior recessão global da história recente. Os governos precisam enfrentar o problema reduzindo emissões de gases. Nós temos uma década para fazer isso” – ele disse isso em 1996. “Se nada for feito, nós seremos confrontados com um declínio que não acontece desde a grande depressão dos anos de 1930 e nos períodos das duas grandes guerras mundiais no século XX.”

Algumas semanas atrás, Sir Nicholas Stern deu uma entrevista num jornal inglês dizendo o seguinte: “Eu fui muito otimista em 2006. Nós não temos dez anos, o prazo é bem menor do que isso. Nós temos que agir com muito mais rapidez”. E nisso ele foi apoiado por outro cientista eminente, o Ragendra Pachauri, que é o presidente do Painel do Clima. Ele é um biólogo importante, especialista em biodiversidade, que no ano passado compartilhou o Prêmio Nobel com Al Gore. Ragendra Pachauri também diz que o nosso tempo é muito curto, que nós temos que fazer a mudança muito rapidamente.

Segundo a Agência Internacional de Energia, para mudarmos esse quadro serão necessários investimentos de US$ 45 trilhões, nos próximos 15 anos, em novas fontes de energia. Só para se ter idéia do que isso quer dizer, o produto bruto dos Estados Unidos está em torno de US$ 13 trilhões anuais. Isso significa mais do que três anos do produto bruto dos Estados Unidos.

Há alguns sinais de otimismo. A Alemanha, por exemplo, acaba de definir nova meta de redução de emissões para 2020. Ela vai reduzir em 40% sobre as emissões de 1990.

Grandes empresas do mundo estão pressionando os governos para que tomem decisões e consigam alterar o quadro. A própria Corte Suprema dos Estados Unidos determinou que o governo definisse limites para emissões na produção de energia de veículos e de grandes indústrias.

Doze estados americanos e mais de 300 cidades já definiram metas para redução de emissões ou aumento de eficiência no uso de energia, principalmente combustíveis fósseis. E há uma esperança de que o panorama possa mudar bastante a partir de 2009, com um novo governo que será eleito em janeiro.

O governo Bush, nos últimos meses, pela primeira vez admitiu que a ação humana é responsável por mudanças climáticas, que as mudanças climáticas estão acontecendo, mas ainda se recusa a assumir compromissos de redução.

Então, esse é o quadro do clima, que é um dos dois grandes desafios que Kofi Annan tem mencionado.


Consumo global

Vamos falar agora da outra questão, o outro grande limite que está nos padrões de produção e consumo. Em 2006, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente divulgou o relatório Planeta Vivo, do qual participaram várias outras instituições, inclusive WWF, Conservation International e outras. E, segundo esse relatório, nós estamos consumindo no mundo hoje 25% além da capacidade de reposição de recursos naturais e serviços naturais pelo planeta. Estamos gastando mais do que o planeta pode repor. Isso, fazendo uma comparação um pouco rasteira, significaria dizer que nós estamos na mesma posição de uma família que gasta mais do que o seu orçamento. Ela caminha para uma situação muito difícil, porque não haverá reposição de tudo o que ela está gastando.



Esse relatório calculou o que ele chama de “pegada ecológica da humanidade”, ou seja, o impacto desse consumo sobre o planeta nesses formatos de produção e consumo. E essa pegada ecológica, desde a primeira vez em que foi calculada, de 1961 para cá, triplicou. Está três vezes maior.

Então, segundo esse relatório da ONU, nós estamos deteriorando os serviços naturais a um ritmo nunca visto na história da humanidade. Quase 1/3 das espécies vivas conhecidas se extinguiu em três décadas. E o cenário é de que em meio século a exigência humana sobre a natureza será duas vezes superior à capacidade de reposição da biosfera. Porque a população no mundo, mesmo na hipótese mais favorável, continuará aumentando, embora a taxa de fecundidade, de crescimento da população tenha diminuído. Mas ainda assim, mesmo na hipótese mais favorável, nós estamos com 6,7 bilhões de pessoas hoje no mundo e serão 8,5 bilhões, 9 bilhões em meados deste século, segundo os demógrafos da ONU.

Então, esse relatório da ONU diz o seguinte: “É provável a exaustão dos ativos ecológicos e o colapso dos ecossistemas em larga escala”.

Nós já estamos utilizando no mundo, para atender as necessidades humanas de vários tipos, com a agricultura, com a pecuária, com a energia, com tudo, 14 bilhões de hectares. Claro que a pegada mais alta é a dos Estados Unidos, com 2,8 bilhões de hectares, depois vem a China, e no Brasil são 383 milhões de hectares que já são utilizados para essa finalidade.

Agora, a pegada ecológica per capita depende do nível de consumo em cada país. Nos Estados Unidos ela já é de 9,6 hectares por habitante. Precisa de 9,6 hectares para atender as necessidades de uma pessoa com a produção de bens, energia e outras coisas. No Brasil, ela é bastante menor, é de 2,1 hectares, mas ainda assim o Brasil está acima da disponibilidade mundial, que é de 1,8 hectare por habitante.

Então, esse consumo excessivo, essa pressão excessiva sobre os recursos naturais e sobre os serviços naturais já fez a população das espécies tropicais identificadas diminuir em 55% aqui, nas regiões tropicais, nas quais nós estamos incluídos. E a conversão de áreas para a agricultura e para a pecuária é o principal fator de perdas desse hábitat das espécies. Os manguezais, por exemplo, que são o berçário da vida para 65% das espécies de peixes tropicais, estão sendo degradados a um ritmo duas vezes superior ao do desmatamento das florestas tropicais. Mais de 1/3 da área global de manguezais foi perdido em 20 anos, entre 1980 e 2000, e na América do Sul a perda foi de 50%.

Também um problema grave nessa direção é a fragmentação dos sistemas fluviais do mundo. Hoje, 83% do fluxo total no mundo está alterado por retenções, por barramentos, por vários fatores como esses aí. A quantidade de água no mundo que está armazenada em reservatórios com barragens já é pelo menos três vezes maior do que a quantidade de água que corre pelos rios no mundo.

Nós temos hoje, no mundo, só de barragens com mais de 15 metros de altura, 45 mil barragens.

Bom, para complicar ainda mais esse problema, os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), como ele é chamado, dizem o seguinte: “Os países industrializados com menos de 20% da população mundial – menos de 20% – concentram hoje quase 80% da produção, do consumo e da renda no mundo. As três pessoas mais ricas do mundo juntas, diz o PNUD, têm ativos superiores ao Produto Bruto Anual dos 48 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas. Três pessoas têm tanto quanto o produto dos países onde vivem 600 milhões de pessoas.

As 257 pessoas mais ricas do mundo, cada uma delas com ativos superiores a US$ 1 bilhão, juntas têm mais do que a renda anual conjunta de 45% da humanidade, 2,8 bilhões de pessoas”.

Então, conclui o PNUD: se todas as pessoas no mundo consumissem como norte-americanos, europeus ou japoneses, nós precisaríamos de mais dois ou três planetas para suprir os recursos e serviços naturais necessários. Só que esses planetas não estão disponíveis ao que se saiba. E para agravar o quadro da renda, os chamados países em desenvolvimento hoje pagam mais de US$ 1 bilhão em juros por dia aos bancos internacionais.


Civilização em crise

Com todas essas questões colocadas de mudanças climáticas, de insustentabilidade de produção e consumo, não é temerário, não é arriscado, não é precipitado dizer que na verdade nós vivemos hoje uma crise do padrão civilizatório. Os nossos modos de viver são insustentáveis, são incompatíveis com os recursos do planeta, mesmo tendo hoje mais de 800 milhões de pessoas no mundo que passam fome e mais de 2,5 bilhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, vivendo com menos de US$ 2 por dia, menos de R$ 4,00 por dia.

Apesar de toda essa pobreza, dessas pessoas que quase não consomem, nós temos um quadro absolutamente insustentável. O que se vai fazer diante disso tudo? Há muitas pessoas que dizem o seguinte: “A solução é o crescimento econômico. O crescimento econômico é que vai resolver todas essas questões”. E aí nós podemos ficar com o raciocínio do Edward Wilson, que é um grande biólogo de Harvard, que é considerado o papa da biodiversidade no mundo, pessoa que mais sabe desse assunto, que mais entende disso. Vamos admitir que o crescimento fosse a solução e vamos admitir que o produto bruto mundial, que hoje está aí entre US$ 50 trilhões e US$ 60 trilhões anuais cresça 3,5% ao ano, o que seria um crescimento modesto, porque se pede muito mais do que isso, fala-se que a China cresce 10%, que o Brasil está crescendo não sei quanto, que vai crescer de 5% a 6% e aí por diante.


“Nove das principais culturas brasileiras já estão sofrendo por causa do aumento de temperatura. Isso inclui o café, o feijão, a soja, o algodão, quase todas as culturas mais importantes. E a Embrapa até quantificou a perda: em 2014 serão R$ 7 bilhões por ano.”


E o Edward Wilson diz que se o produto bruto mundial crescer 3,5% ao ano, em 2050, meados deste século, teríamos um produto bruto de US$ 158 trilhões no mundo, mas não teremos porque não chegaremos lá. Não há recursos e serviços naturais capazes de sustentar esse crescimento.

Então, é preciso mudar, é preciso tomar outros rumos. Nós teremos que encontrar e praticar padrões de consumo que poupem recursos, que não desperdicem recursos. As matrizes energéticas terão que ser inteiramente reformuladas, os padrões de construção terão de ser repensados e os fatores e custos que hoje se costuma chamar de ambientais, terão que estar no centro e no início de todas as políticas públicas e de todos os empreendimentos privados para serem avaliados – se vale a pena ou não fazer –, para serem aprovados ou não, e se forem aprovados e houver custos, saber quem arca com eles, porque hoje os custos são distribuídos por toda a sociedade, não há uma atribuição de custos a quem os gera.


Brasil: onde está a política de clima?

O Brasil precisará construir uma estratégia que leve em conta mudanças climáticas e sustentabilidade de padrões de produção e consumo. Essa estratégia não existe, isso não está no centro do pensamento brasileiro hoje. Vejam o seguinte: A Convenção do Clima foi aprovada em 1992, no Rio de Janeiro, na Eco-92. O Brasil foi um dos maiores defensores da Convenção do Clima. Pois bem, 16 anos depois o Brasil ainda não tem uma política de mudanças no clima. Diz que vai anunciar agora em setembro ou outubro, e só criou uma secretaria de Mudanças Climáticas no ministério do Meio Ambiente este ano, dezesseis anos depois da reunião do Rio de Janeiro.

E precisaria ser diferente, porque nós já temos cenários traçados para o Brasil pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, aos quais temos que prestar muita atenção. O Inpe diz o seguinte: Ao longo deste século, se forem mantidas as atuais tendências, a temperatura na Amazônia poderá subir entre 6°C e 8°C; a temperatura no centro oeste poderá subir entre 3°C e 4°C; as outras regiões serão profundamente afetadas pelo que acontecer na Amazônia e no centro oeste. Nós possivelmente perderemos de 20% a 25% dos recursos hídricos do semi-árido brasileiro, onde eles já são escassos.

Mas o Brasil com esse cenário, com todas essas coisas, embora seja o quarto maior emissor de gases, até aqui não tem aceitado compromissos de reduzir as suas emissões. O Brasil usa dois argumentos para isso – o Brasil que eu digo é o Governo, a representação oficial brasileira. Primeiro, que os países industrializados que emitem há muito mais tempo e contribuíram muito mais para a concentração de gases na atmosfera nem sequer cumpriram os compromissos do Protocolo de Kyoto. É verdade! Esse argumento é verdadeiro. Segundo, que se o Brasil aceitasse compromissos de redução de emissões poderia comprometer o desenvolvimento econômico – depende de que desenvolvimento se trata –, e que aceitar esses compromissos – esse é um argumento muito forte nas áreas diplomáticas e de segurança nacional –, implica aceitar restrições a nossa soberania no uso de recursos naturais.

Eu não concordo com nenhuma dessas coisas e acho que o Brasil deveria aceitar compromisso, primeiro, porque eticamente é insustentável ser o quarto emissor de gases do planeta e não aceitar compromissos de redução. Segundo, porque o Brasil mesmo já apresentou à convenção de mudanças do clima uma tese, que foi aprovada em princípio, que é a de que cada país deveria aceitar um compromisso de redução proporcional a sua contribuição direta para o aumento da temperatura na terra, já comprovada.

É possível fazer isso. É possível calcular quanto cada país emitiu desde o início da revolução industrial, qual é a contribuição que isso representa para a concentração de gases que está na atmosfera, que aumenta a temperatura e produz mudanças climáticas, e fazer uma visão proporcional. Mas mesmo tendo apresentado essa tese – creio que em 1997 – o Brasil continua se recusando a aceitar o compromisso. Agora, não aceitando ele reforça o argumento dos países industrializados que dizem o seguinte: que qualquer protocolo vai ser ineficaz se três dos cinco maiores emissores, Brasil, China e Índia, não tiverem metas de redução, ainda mais porque esses países é que serão responsáveis pelo maior aumento no consumo de energia nas próximas décadas.

Além do mais, o Brasil já está sofrendo com mudanças climáticas e será uma das regiões mais atingidas, segundo os cientistas. Nós já tivemos – e vocês muito mais perto – um primeiro furacão, assim classificado pela Organização Meteorológica Mundial, muitos tornados, inundações, deslizamentos de terra, secas extemporâneas que têm provocado prejuízos enormes na agricultura, e dificuldades progressivas no abastecimento de água das grandes cidades.

Já há alguns estudos que mostram o que significa o aumento de temperatura para a agricultura. Há um estudo feito pela Embrapa e pela Unicamp que mostra uma coisa na qual pouco se pensa. O café, durante séculos, foi a base da economia de São Paulo e do norte do Paraná, e ele começou a desaparecer de São Paulo e do norte do Paraná e isso se deve a um aumento na temperatura. Houve um aumento entre 1°C e 1,5°C e isso significa o seguinte: a flor do cafeeiro é muito atingida pelo aumento da temperatura, ela cai antes da hora, e caindo antes da hora a produtividade do cafeeiro reduz muito. Por isso o café foi migrando progressivamente para as montanhas de Minas Gerais, onde também já enfrenta problemas de aumento de temperatura.

Recentemente, a Embrapa divulgou um novo estudo dizendo o seguinte: nove das principais culturas brasileiras já estão sofrendo por causa do aumento de temperatura. Isso inclui o café, o feijão, a soja, o algodão, quase todas as culturas mais importantes. E a Embrapa até quantificou a perda: em 2014 serão 7 bilhões de reais por ano.

Então, essa posição brasileira é uma posição que deveria ser repensada. Além disso, nós temos alguns problemas que progressivamente começam a ocupar o centro da pauta.


Carne bovina: a vilã do efeito estufa

Hoje, por exemplo, já se sabe que a agropecuária responde por cerca de 18% das emissões no mundo. É mais até do que a perda com o desmatamento de florestas tropicais que é uma causa muito importante. E nessas emissões da agropecuária, assume um papel cada vez mais relevante a questão das emissões de metano pelo gado bovino.

Há um estudo feito pela Embrapa Meio Ambiente, que funciona em Jaguariúna, no interior de São Paulo, que quantificou isso. A Embrapa colocou cangas nos bois e na frente dessas cangas receptores captando todas as emissões de arrotos, porque é pelos arrotos, num processo de ruminação, que o boi emite metano, e a Embrapa quantificou. A emissão média por boi é de 58 quilos por ano, só pelo caminho dos arrotos. O Brasil tem hoje 205 milhões de cabeças de gado bovino. Multiplicando isso por 58, nós vamos chegar a um número que traduzido em equivalentes de dióxido de carbono, para traduzir o metano em dióxido de carbono vai significar o seguinte: só o rebanho bovino brasileiro emite mais do que todo o setor industrial e que todo o setor de transportes.


“O Brasil tem o que o mundo precisa. Nós temos território continental; nós temos 12% da água que corre pela superfície da terra – isto é muito e é um alto privilégio: 12% de toda a água, fora as águas subterrâneas; nós temos de 15% a 20% de toda a biodiversidade do planeta. E é dessa biodiversidade que virão os novos medicamentos, os novos alimentos, os novos materiais para substituir os que se esgotarem.”


Como é que vamos fazer? O que é que nós vamos fazer? Nessa questão da agropecuária há outra questão, também cada vez mais presente, e que não há como fugir dela. O Brasil é hoje apontado como o grande exportador virtual de água.

Há um relatório que 29 agências da ONU prepararam para o Fórum Mundial da Água de 2002 que diz o seguinte: produzir 1 quilo de carne de boi exige, em todas as fases, o uso de 15 mil litros de água, desde a formação do pasto, a manutenção do pasto, o consumo de água pelo gado, que é muito alto, o que se gasta para limpar as estrebarias, as cocheiras e essas coisas. Então, são 15 mil litros de água por quilo de carne bovina, 8 mil litros por quilo de carne suína, 4 mil litros por carne de aves e de mil a 1,5 mil litros na produção de cereais.

Às vezes quando vou falar em lugares onde tem muitas crianças e adolescentes, costumo perguntar assim: “Quanto você acha que consome de água por dia?” Aí, um diz: “Eu tomo quatro copos de água por dia”; outro diz: “Eu bebo oito”; outro diz: “Não, mas tem o banho, no banho vai consumir uns 20 litros de água”; outro diz: “Bom, tem a pia da cozinha que também consome, tem a lavanderia, tem tudo isso e tal”. Então, eu pergunto: “Você, por exemplo, come carne de boi?” Ele diz: “Sim, como. Como todos os dias”.

Então vamos fazer uma conta: se você comer 200g de carne bovina por dia, você estará usando 3 mil litros de água. Com mais os outros consumos da casa, você vai estar perto de 4 mil litros por dia, e é esse que é o uso da água.

Então a discussão que está aí é a seguinte: no atual modelo exportador, nós temos uma dependência muito forte no Brasil dos serviços e dos recursos naturais.


Preço injusto

Nós exportamos muitas commodities, principalmente vegetais, soja e outras coisas. Agora, os países que nos importam isso, não importam por acaso, alguns deles certamente poderiam produzir soja e poderiam produzir carnes, mas é que eles não têm esses serviços e recursos naturais suficientes para o consumo deles. E não querem sobrecarregar esses serviços e recursos. Ao contrário, usam cada vez menos, como a Alemanha, Holanda e Dinamarca, que são países que têm legislação cada vez mais severa dizendo quantos bois a pessoa pode criar por hectare, ou quantos porcos, ou quantos frangos.

Mas esses países que nos compram essas coisas não nos remuneram por esses serviços e recursos naturais, nem pelos custos ambientais que isso representa. E também eles é que controlam os preços do que eles importam. Então, por causa disso, nós temos que exportar cada vez mais para manter um equilíbrio na balança comercial e no balanço de pagamentos, mas quase sem sair do lugar.

Em 1964, o Brasil tinha 1% do valor do comércio exterior, das exportações. Chegou a quase 1,5% em 1985. Hoje tem 1,08% do comércio.

Por outro lado, naquilo que nós importamos, os países industrializados também têm o controle dos preços. Mas no que eles nos exportam, eles agregam todos os fatores que lhes convêm: o alto custo da sua mão-de-obra, a tecnologia, os royalties, as patentes e toda essa coisa.

Então, o professor José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo, já fez um estudo sobre isso mostrando o seguinte: há produtos que nós exportamos, hoje, corrigidos em valor real, que têm preços inferiores aos da época da grande depressão da década de 1930.

Portanto, nós precisamos construir uma nova estratégia. Se o mundo passa por essa crise com os serviços e recursos naturais, se eles são o fator escasso no mundo, e cada vez mais escasso – e já há um déficit enorme no mundo –, então nós precisamos colocar essa realidade no centro e no início de uma estratégia que os valorize e ajude a construir a sustentabilidade.

O Brasil, de certa forma, é o que poderíamos chamar de o sonho do mundo. O Brasil tem o que o mundo precisa. Nós temos território continental; nós temos 12% da água que corre pela superfície da terra – isto é muito e é um alto privilégio: 12% de toda a água, fora as águas subterrâneas; nós temos de 15% a 20% de toda a biodiversidade do planeta. E é dessa biodiversidade que virão os novos medicamentos, os novos alimentos, os novos materiais para substituir os que se esgotarem. A biodiversidade é a grande possibilidade do mundo. Há pouco tempo divulgou-se um estudo mostrando que, só em medicamentos derivados da biodiversidade vegetal, são comercializados, hoje, no mundo, cerca de US$ 400 bilhões por ano. Agora, nós temos de 15% a 20% da biodiversidade, mas nem sequer a conhecemos.

E há um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia, liderados por um economista argentino chamado Robert Constanza, que, junto com mais 13 cientistas, inclusive uma brasileira, fez um estudo para calcular o seguinte: se nós tivéssemos que substituir os serviços e recursos naturais por esse caminho, por ações, projetos humanos, tecnologias e essas coisas, o quanto isso custaria, o que isso valeria? E esse estudo diz o seguinte: se tivéssemos que substituir, por exemplo, a fertilidade do solo por insumos químicos, a regulação do clima por meios mecânicos, tecnológicos, enfim, se tivéssemos que substituir essas coisas por ações humanas, isso custaria três vezes o produto bruto mundial de um ano. Quer dizer, o valor dos serviços e recursos naturais que eles calculam é de três vezes o produto bruto mundial de um ano.

É preciso ter isso em conta e ter uma estratégia que leve isso em conta e faça disso a nossa principal direção. Mas é muito difícil mudar também, inclusive porque será preciso mudar toda a comunicação. Ela terá que passar a informar a sociedade permanentemente das questões em jogo e das soluções possíveis para que a sociedade aprenda a discutir isso e transforme em plataformas políticas; seja capaz de levar isso para o panorama político e eleitoral, exigir de governantes, de políticos, de todos que adotem as políticas adequadas.

A sociedade precisa sair da posição passiva em que ela vive e em que ela é apenas objeto das políticas. Ela não é autora, não é co-partícipe dessas políticas. Ela precisa sair dessa posição. Não adianta o que eu chamo de “a retórica da indignação”, nós nos indignarmos todos os dias com os políticos, com as políticas ou com o que quer que seja, e não sermos capazes de formular alternativas adequadas para o que estamos vivendo.


Exilados ambientais

Há poucas semanas, a revista New Scientist, uma das revistas científicas mais conceituadas do mundo, fez um balanço dessa situação, dessas críticas, e traçou o seguinte quadro: o nível do mar, segundo a Universidade do Colorado, pode subir até dois metros, mais até do que o IPCC disse, e as conseqüências serão muito graves porque 40% da humanidade vivem nas zonas costeiras que serão inundadas. E nós temos 30 e tantos países-ilhas que já estão ameaçados de desaparecer. Alguns deles já estão começando a evacuar a sua população, são países-ilha do Pacífico como Tuvalu, Quiribate e outros.

As geleiras polares estão-se derretendo em velocidade recorde. Hoje, inclusive, isso está nos jornais.

No Himalaia, o gelo das montanhas tem recuado 70 metros por ano, e desse gelo depende o abastecimento de 50% da população. Então, já há lá 1,3 bilhão de pessoas ameaçadas por isso, com essa redução da água.

Nos Alpes europeus, o degelo continua muito forte e também nos Andes. Nós temos que nos lembrar que o Brasil depende muito dos Andes para o fluxo de águas que correm em território brasileiro. Uma parte das águas da Amazônia vem das geleiras andinas, da mesma forma que há influências aqui mais para o sul.

A Universidade de Flórida fez um estudo sobre o avanço dos ciclones tropicais, que estão ganhando intensidade principalmente ao norte do Atlântico e do Índico. Esse estudo da Universidade da Flórida dá uma informação que é quase inacreditável, dizendo que os ciclones e os furacões estão ganhando força por causa exatamente do aquecimento das águas dos oceanos. E aí diz que para aumentar 1ºC na temperatura de um metro cúbico de água precisa de mil vezes mais energia do que para aquecer em um grau um metro cúbico de ar. Mil vezes mais energia.

Então, a energia que se acumula nos oceanos nesse processo de aquecimento é uma brutalidade, e é por isso que há esse fenômeno dos ciclones e dos furacões.

A Argentina, aqui ao nosso lado, está sofrendo a pior seca em duas décadas; está com estado de emergência em cinco províncias.

A Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO), que é da ONU, diz o seguinte: que as culturas de carnes do mundo já estão produzindo um impacto 50% acima do que os ecossistemas podem suportar. É um relatório de 2006 e quem tiver interesse chama-se La Sombra Alongada de la Ganaderia. Pode ser encontrado no site da FAO.

Então, precisaríamos reduzir em 50% esse impacto da produção de carnes, mas está previsto um aumento do impacto em 100% até 2020, inclusive no Brasil.

Aí começam a se generalizar, então, os estudos mostrando essa coisa. Há uma organização que se chama Foodwatch, por exemplo, que faz esta comparação: 1 quilo de carne de boi alimentado com capim é responsável por emissões correspondentes às de um carro compacto que rodasse 113 quilômetros; 1 quilo de queijo, 71 quilômetros; 1 quilo de carne de porco, 25 quilômetros. Essas comparações e essa discussão vão crescendo à medida que se vai complexificando a questão de onde reduzir emissões e como reduzir.

Por exemplo, a China começou a dizer o seguinte: realmente temos esse nível de emissões, mas quem deve pagar por isso, quem produz ou quem consome? Porque 1/3 das nossas emissões é por causa das exportações para os outros países, principalmente para os Estados Unidos e Europa. Onde está o problema? Está aqui conosco ou está lá, nos que consomem? Se vai criar restrições, vai criar aqui ou deve criar lá?

Então, a New Scientist diz o seguinte: é mais difícil prever o que acontecerá no clima nos próximos anos do que nas próximas décadas. Para o longo prazo, basta verificar qual é a tendência subjacente que está aí, e essa tendência é de aquecimento da atmosfera terrestre.

Isso também não significa, respondendo aos céticos, que cada ano seja necessariamente mais quente que o ano anterior. Não! Há oscilações, mas há uma tendência e há um volume que se acumulam. E há uma evidência cada vez maior de que os oceanos são o fator chave para essa questão, e isso tem levado os cientistas a concentrar muito a sua atenção.

Desde os anos 60, cerca de 90% do excesso de calor por causa da emissão de gases se concentraram nos oceanos, apenas 7% na terra e só 3% na atmosfera. Então, a gravidade maior do problema está com o que acontece nos oceanos.

Esse é o quadro geral dessa insustentabilidade que estamos vivendo hoje. E, repito, não é nenhuma leviandade dizer que nós estamos vivendo numa crise de padrão civilizatório. Os nossos modos de viver não são compatíveis com as possibilidades do nosso planeta, e vai ser preciso reduzir essas emissões, reduzir o consumo de recursos naturais, reduzir o impacto sobre os serviços naturais. E isso, eu repito, vai exigir que se mude a matriz energética, que se mude os modos de produção, que se mude os modos de construção. Os vegetarianos dizem que, se deixar de comer carne, já resolve uma parte boa do problema. Pode ser! Mas, eu repito, a nossa questão é a ausência de regras e de instituições capazes de fazer isso num plano global.

E sempre que eu falo essas coisas, muitas pessoas perguntam: “Mas você é otimista ou pessimista?” Eu respondo que não faz nenhuma diferença. O meu otimismo ou o meu pessimismo não vão mudar nada o quadro. Quer dizer, não está aí no meu otimismo ou no meu pessimismo. O que eu sei é que eu tenho uma obrigação, como jornalista e como um cidadão, de trabalhar para tentar mudar esse quadro. Essa é a minha obrigação e acho que é a obrigação de cada cidadão.

Há uma citação que eu gosto muito, que é de um grande poeta irlandês, o Yeates. Resumindo o poema dele, ele termina dizendo o seguinte: “A nossa missão é tentar, o resto não é da nossa conta”. E eu acho que é isso aí, nós temos que tentar!


“Quem se considera fora da natureza não percebe que o que acontecer no meio físico vai acontecer no seu corpo, pois somos feitos de 70% de água, minérios, alimentamo-nos de outros seres vivos e o que acontecer na natureza vai acontecer no nosso corpo também, mas as pessoas não têm essa consciência ainda.”


Sem fórmulas prontas

A Agenda 21 não é, nem nunca pretendeu ser, um manual de instruções e de fórmulas prontas e acabadas. É um conjunto de diagnósticos, de diretrizes e de algumas ações propostas. Ela foi aprovada em 2002 e até ali eu era consultor da Agenda, trabalhei em várias coisas, inclusive na sistematização das discussões para a discussão final. Em 2003, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência me pediu para representá-la na comissão da Agenda 21. Infelizmente, a comissão virou um gigantesco tumulto, o número de membros cresceu e as discussões ficaram intermináveis e sem objetivo. Eu me lembro de que na primeira reunião que fui eu disse que tínhamos que fazer duas observações: primeira, a Agenda 21 já existe e esta comissão não vai construí-la. Ela já existe. Assim, o que vai ser feito com ela? Segunda, quem é o interlocutor desta comissão? A quem nós nos vamos dirigir para cobrar essa execução? Também se estabeleceu uma discussão enorme que não levou a lugar algum.

Então, numa reunião em seguida sugeri o seguinte: vamos propor-nos a uma tarefa nova. Eu acho que faltam na Agenda 21 dois capítulos: um sobre o clima e outro sobre a economia. Vamos construir esses capítulos. Foi aprovado em princípio e nunca aconteceu nada. Então, depois de algum tempo pedi para ser substituído, porque achava que iria perder tempo.

Eu acho uma pena! Acho que a Agenda 21 deveria ser um bom começo para discutir todas essas coisas. Uma grande parte disso está lá, está dito lá. Agora, eu acho que há lugares que avançaram mais, há lugares que avançaram com agendas estaduais; há lugares que avançaram com agendas municipais e alguns deles estão conseguindo alguns resultados. Mas acho que o resultado é quase pífio diante do que se esperava da Agenda 21. Agora, os diagnósticos e as diretrizes que estão lá são importantes! É uma pena que tenha ficado assim.


Energias alternativas x energia nuclear

O Brasil não precisa de energia nuclear, porque tem energia hidrelétrica, tem energia eólica. Só o potencial de energia eólica no Brasil corresponde a duas vezes e meia o atual consumo total do Brasil! E há a energia solar. Há um estudo que mostra o seguinte – e eu mencionei isso hoje para alguém: se você ocupar um quarto da área do reservatório de Itaipu com painéis solares, você produzirá tanta energia quanto a água produz em Itaipu. Então, o Brasil tem a energia das marés e dos biocombustíveis e não precisa de energia nuclear.

Em segundo lugar, a energia nuclear é mais cara; é mais do que duas vezes o custo da energia elétrica e de várias dessas alternativas. Em terceiro lugar, ela é insegura; os acidentes nucleares são sempre muito graves. A França acaba de passar por dois; o Japão tem passado e assim por diante.

A energia nuclear não tem destinação para os seus resíduos. Para o chamado lixo nuclear ninguém encontrou uma solução no mundo. Não é só no Brasil, não, é no mundo, ninguém encontrou uma solução para os resíduos da energia nuclear. Há dois ou três países que estão tentando o caminho de sepultar o lixo nuclear no fundo da terra: a Suécia e a Finlândia. Os Estados Unidos estão construindo, em quase 20 anos, um grande depósito de resíduos nucleares em terreno de montanhas em Nevada, o projeto de Yuka Mountain, que eu fui conhecer. Esse depósito é bem abaixo da montanha, 300m abaixo do que seria o nível do solo, ao lado da montanha. Quando voltei da visita – e estava acompanhado por um diretor do Departamento de Energia dos Estados Unidos, fui gravar uma entrevista na qual disse o seguinte: “Olha, eu tenho ouvido muitas restrições dos hidrólogos, dos geólogos, dos sismologistas sobre a questão desse depósito”. Ele respondeu que o negócio da geologia não tinha problema e que para a hidrologia até aquele dia nada havia acontecido. Eu perguntei: “E para a sismologia? O pessoal disse que esse era o último lugar no qual deveria ter sido construído um depósito de lixo nuclear, porque se trata de uma área muito sujeita a abalos sísmicos, com dois vulcões à vista sobre os quais ninguém sabe quanto tempo permanecerão inativos.” Ele retrucou que a questão dos vulcões envolve milhões de anos e que quanto à questão sismológica, há três anos havia ocorrido um abalo de 5,3 pontos na escala Richter e que não acontecera nada nas instalações. Eu insisti: “Tudo bem, mas pode haver abalos mais fortes; se houver um abalo mais forte, quem garante a segurança?” Ele respondeu: “Ele”, e apontou para o céu. Quer dizer, se a garantia é essa...

Eu moro na cidade de Goiânia e fui testemunha de um acidente radioativo, o acidente com o césio 137. O césio 137 perto de resíduo radioativo de usina nuclear é uma brincadeira de criança, não é nada. Aquele vazamento em Goiânia foram poucas dezenas de gramas de césio 137 e resultaram naquela coisa terrível: uma cidade e um estado devastados durante meses por aquela coisa. Quase um milhão de pessoas teve que passar por exames de radioatividade e, na verdade, milhares de pessoas foram contaminadas.

A energia nuclear tem hoje um grande defensor no mundo. Por mais estranho que pareça, o autor da Teoria de Gaia, James Lovelock, disse que não dá para pensar em nenhuma outra solução. Ele afirma que precisamos interromper imediatamente a queima de combustíveis fósseis, que piora o efeito estufa, e que a única forma de energia imediatamente acessível que não causa aumento de temperatura é a nuclear. Essa posição tem dado grande força à energia nuclear.

Se não bastasse tudo isso, em 2006, a Unicamp fez, junto com várias instituições, um estudo sobre a matriz energética brasileira, no qual afirma que o Brasil não precisa de nenhum quilowatt de energia. O Brasil pode ganhar 30% do que consome hoje com programas de conservação e eficiência energética, como fez em 2001 num apagão. Naquela época o país economizou 30% sem nenhum problema, sem nenhum prejuízo para ninguém. E se quiser, pode ganhar mais 10% com a repotenciação de usinas que já estão fora de prazo, vencidas. E faz isso com usinas hidrelétricas, faz isso com um custo infinitamente menor. E pode ganhar mais 10% ainda reduzindo as perdas nas linhas de transmissão. O Brasil, hoje, perde 15% da energia que produz nas linhas de transmissão. O Japão perde 1%, nós perdemos 15%. Nós não somos mais ricos do que o Japão e não podemos perder 15%! Então, isso tudo somado, são os 50%. E isso sem falar nos potenciais alternativos.


Geenwashing

Existem muitas empresas que fantasiam que estão fazendo isso, estão fazendo aquilo, da mesma forma que está um pouco na moda acharem que com o plantio de árvores compensam tudo, resolvem tudo, todas essas coisas. Mas o que eu acho é que voltamos sempre ao mesmo problema. Quer dizer, é a questão de não termos regras nem instituições capazes de generalizar a obrigação. Então, como não há essas regras, é muito difícil conseguir que pessoas, empresas e governos façam o que tem que ser feito.

Agora, acontece que as chamadas questões ambientais são muito ameaçadoras para todo mundo. Não são pouco ameaçadoras, não. Elas são ameaçadoras para governos, para administradores e para políticos. E se levarem isso realmente a sério, tem que mudar tudo, ou seja, as formas de fazer, de administrar. É ameaçadora para empresários, porque o empresário pensa o seguinte: bom, para reduzir esse custo tenho que investir, mas e o meu competidor que não vai fazer nada disso? Eu vou perder a competitividade na relação com ele? O meu produto vai perder mercado na competição com ele?

Acho que é muito difícil para a comunicação, porque se passar a tratar disso mais permanentemente, ela vai enfrentar enormes conflitos com os governos, com as empresas, com a publicidade, com uma porção de coisas. Acho que é ameaçadora para grande parte dos jornalistas, que para tratarem disso terão que mudar sua visão de mundo. Não basta dizer: eu vou tratar disso. É preciso ter outra visão de mundo para tratar disso aí.

E eu acho que é ameaçador para qualquer pessoa, para qualquer cidadão que, se colocado diante disso, se pergunta: “Mas eu, aqui no meu canto, o que vou fazer para ajudar a resolver essa coisa?” E eu cito sempre um exemplo: duas pesquisas feitas pelo Instituto Gallup mostram que 2/3 dos habitantes da Grande São Paulo, ou seja, 12 milhões de pessoas, gostariam de se mudar de lá, basicamente por questões ambientais, quer dizer, poluição do ar, o lixo, a água e essa coisa toda. Mas como é que se muda 12 milhões de pessoas? Muda para onde? E o sujeito, lá no canto dele, se pergunta: “Mas eu vou para onde? Vou fazer o quê? E o meu emprego, minha mulher, meu pai, minha mãe, meus amigos, a escola do meu filho, como é que eu faço?” Isso não se resolve individualmente.

Para complicar ainda mais, há duas pesquisas que o Isere – Instituto Superior de Estudos Religiosos – fez para o Ministério do Meio Ambiente, que mostra o seguinte: 2/3 das pessoas ouvidas disseram que eram contra qualquer poluição, qualquer devastação, qualquer atitude prejudicial ao meio ambiente, mesmo que fosse em nome do crescimento econômico, do desenvolvimento econômico, da geração de empregos e tal. Mas as mesmas pesquisas mostram também que 2/3 das pessoas ouvidas se consideram fora da natureza. Elas não se consideram parte da natureza. E quem se considera fora da natureza não percebe que o que acontecer no meio físico vai acontecer no seu corpo, pois somos feitos de 70% de água, minérios, alimentamo-nos de outros seres vivos e o que acontecer na natureza vai acontecer no nosso corpo também, mas as pessoas não têm essa consciência ainda.

Eu sempre falo de um sonho. Uma vez fui ao Japão visitar o Museu da Água. É um museu maravilhoso. O governo japonês investiu US$ 100 milhões, mas você, para chegar a entrar no museu, vai por uma esteira e há um momento em que você tem de parar, porque você dá, na sua frente, com um visor digital e no momento em que você pisa nesse visor digital sai escrito o seguinte: você pesa tantos quilos. No meu caso dizia: você pesa 70 quilos, 70% disso é água. Então, você tem 50 quilos, cerca de 50 litros de água no seu corpo. E do lado há um reservatório transparente em que começa a cair água, para mostrar quanta água há no seu corpo. Asseguro a você que é um susto enorme. Você vê e cai água, e cai água, e cai água, e você diz: eu sou isso aí. Eu já tentei colocar isso em vários lugares e nunca consegui. Não há essa consciência de que o que acontecer na natureza vai acontecer com as pessoas, já está acontecendo com as pessoas.

Eu agradeço, mais uma vez, a vocês, pela generosidade, pela atenção e espero reencontrá-los.