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terça-feira, 9 de março de 2010

MEU QUINTAL, MINHA FLORESTA

Da revista ISTOÉ

Programas de incentivo e atuação de proprietários aumentam a importância das Reservas Particulares do Patrimônio Natural

André Julião

EM CASA
O engenheiro Eugenio Victor Follmann com a mulher, Kirsten: área protegida

Enquanto trabalha em sua oficina de peças para instrumentos musicais, numa propriedade na cidade paulista de Mairiporã, onde também mora, o engenheiro austríaco Eugenio Victor Follmann eventualmente é interrompido por um de seus dois cachorros. Não raro, Bumpa ou Beethoven voltam de seus passeios pelo quintal com os focinhos cheios de espinhos. “Preciso parar o que estou fazendo para extrair um a um”, diz Follmann. Mesmo assim, os cães insistem em brincar com os porcosespinhos que vivem no mesmo terreno que eles. Não que Follmann possua uma criação de animais silvestres em casa. Na verdade, ele tem uma floresta em seu quintal – que, além dos bichos espinhosos, tem macacos e teiús, riachos e pequenas cachoeiras. O engenheiro é dono de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Dos 20 hectares de sua propriedade, batizada Sítio Capuavinha, cinco não podem ter sequer uma árvore derrubada. Mesmo que seus filhos o herdem ou que ele seja vendido, a área seguirá intocável, já que a transformação em RPPN é perpétua e irrevogável.

PIONEIRA
Fazenda Lageado, em Mato Grosso do Sul: primeira reserva particular do Brasil

A iniciativa para a criação de uma reserva particular parte do dono, que deve ter o título da propriedade. A área precisa possuir algum atributo especial: nascentes, rios ou mananciais, vales de formação rochosa ou espécies raras ameaçadas de extinção. Com esses critérios obedecidos, o dono deve encomendar a um topógrafo a medição da área a ser transformada em reserva. Depois de homologada, ela só poderá abrigar atividades econômicas que forem voltadas para educação ambiental, pesquisa científica ou turismo. A criação da primeira dessas unidades de conservação completa 20 anos no dia 14 de março. Localizada no município de Dois Irmãos do Buriti, em Mato Grosso do Sul, a RPPN Fazenda Lageado tem 12,55 mil hectares. Foi criada no mesmo ano do Decreto Federal 98.914, que regulamenta as RPPNs, publicado em 31 de janeiro de 1990. Mais de 900 reservas particulares foram implantadas desde então. No Cerrado, onde a Fazenda Lageado está situada, existem 182 áreas como essa. Outras estão espalhadas por todos os biomas brasileiros.

Quem reconhece as RPPNs em nível federal é o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Muitos Estados e mesmo alguns municípios possuem, porém, sua própria legislação. Quando decidiu transformar uma parte da propriedade de 79 hectares que herdou do pai em reserva particular, o gestor João Rizzieri esperou mais de dois anos. “Era uma burocracia muito grande”, lembra ele, que também é presidente da Frepesp (Federação das Reservas Ecológicas Particulares do Estado de São Paulo). Enquanto pelo ICMBio esse processo leva atualmente até um ano para ser concluído, em Estados como São Paulo, que tem seu decreto estadual, o prazo é de 120 dias. Um dos poucos incentivos fiscais para quem tem uma RPPN é que a parte do terreno dedicada à reserva é isenta do ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural). Outra vantagem é que, caso precise de financiamento agrícola, o dono de uma fazenda em que haja uma reserva particular tem prioridade ao crédito em relação a outros agricultores.



Para incentivar a criação, o manejo e mesmo a abertura de negócios sustentáveis nessas áreas, foi implantado em 2003 o Programa de Incentivo às RPPNs da Mata Atlântica. Nesse bioma brasileiro, há 7,91% de floresta remanescente, sendo que 80% estão em áreas particulares. Outras iniciativas semelhantes existem na Caatinga e no Pantanal. A existência delas é um impulso para quem tem de cuidar de uma floresta inteira sozinho, como o austríaco Follmann. Desde que criou sua RPPN, todos os anos ele enfrenta pelo menos um incêndio. “As pessoas que põem fogo aqui não percebem que não estão destruindo algo meu, e, sim, delas”, conta. “Eu não desanimo. Quando algo está na sua medula, não há como voltar atrás.”