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sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Morre a ambientalista Judith Cortesão

Num país em que a memória ainda é tão pouco cultuada, a RPPN Rio das Lontras faz questão de homenagear essa personalidade ímpar que contribuiu significativamente com o planeta.



Judith Cortesão, ambientalista: "...tudo está integrado..."


Uma vida dedicada às causas ambientais.

Aos 92 anos, Judith morreu, terça-feira, em Genebra, na Suíça. Nasceu em Portugal e, em 1990, mudou-se para o Brasil, onde fixou-se no Rio Grande do Sul. Seu pai era o renomado historiador Jaime Zuzarte Cortesão. A ecologista foi professora do único curso de pós-graduação em Educação Ambiental Marinha do Brasil, na Fundação Universidade Federal de Rio Grande.
O forte envolvimento com as questões do meio ambiente fez com que Judith ocupasse o cargo de consultora da Unesco. Foi consultora das Ongs SOS Mata Atlântica e o Instituto Acqua. Em 2002, foi morar na Europa. À Furg, a ambientalista deixou um acervo de quase 5 mil livros. Em homenagem, a fundação criou a Sala Verde Judith Cortesão.

Fica aqui nossa homenagem a uma vida que certamente, como uma grande árvore que completa seu ciclo de vida de forma natural, deixando espaço para que as sementes espalhadas germinem e a vida continue.

Perfil:

Viúva do literato português Agostinho da Silva, Judith Cortesão teve oito filhos, dois deles adotivos, e 21 netos. Ela nasceu na cidade portuguesa do Porto, mas aos 17 anos foi obrigada a deixar Portugal porque seu pai, o renomado historiador Jaime Cortesão, estava sendo perseguido pelo governo ditatorial de António de Oliveira Salazar. Sua família passou pelo exílio na Espanha, na França, na Bélgica e na Inglaterra e chegou ao Brasil em 1940, quando Jaime aqui se instalou para pesquisar a história da formação territorial do país.

Judith morou ainda no Peru, no Uruguai e novamente em Portugal. Retornou várias vezes ao Brasil até se estabelecer aqui definitivamente no início dos anos 90, em Rio Grande. Na Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg), foi professora do único curso de pós-graduação em Educação Ambiental Marinha do Brasil. Judith aprendeu catorze línguas, entre elas árabe, esperanto e chinês.

Formada em Medicina, Antropologia, Letras, Biblioteconomia, Meteorologia, Climatologia e Biologia, com cursos de especialização em Neuroendocrinologia e Genética e Reprodução Humana. Apaixonada por pesquisa, estudou temas tão diversos como poesia canadense ou a mulher caiçara como agente de transformação. Escreveu dezesseis livros, entre eles Pantanal, Pantanais e Juréia, a Luta pela Vida.

Participou da elaboração de seis filmes, como Taim, sobre a reserva gaúcha. Foi uma das criadoras do programa Globo Ecologia e consultora das ongs SOS Mata Atlântica e Instituto Acqua. Ela idealizou o Centro de Informação e Formação de Médicos e Cirurgiões de Doenças do Aparelho Locomotor de Brasília, no Hospital Sarah Kubitschek, e representou o Brasil em comissões internacionais, como a das Nações Unidas sobre Poluição Marinha de Origem Terrestre, no Quênia, e a do Patrimônio da Humanidade, no Canadá.

Acompanhou missões da Unesco em Portugal e no Brasil e representou o Peru, o Uruguai e a Inglaterra em congressos sobre assuntos tão diversos como medicina, literatura e educação. Participou ainda de duas expedições brasileiras à Antártida, em 1982 e 1983. Na primeira, convocou todos que estavam a bordo do navio, o Barão de Teffé, para estudar as espécies de pássaros da região. Esse encontro deu origem ao Programa Asas Polares, que visa proteger áreas de pouso e reprodução dessas aves.

Mesmo atuando em áreas tão distintas, seu foco sempre foi a ecologia e a "capacitação de quadros", como definia em linguagem militar o magistério. "Gosto de formar agentes multiplicadores de educação ecológica", afirma a professora, que já deu aula em dezesseis universidades, entre elas Sorbonne, em Paris, e Open University, na Grã-Bretanha.
Na Furg, o curso de Judith procurava capacitar profissionais que encarem a região costeira do Estado do Rio Grande do Sul como um sistema integrado de desenvolvimento ecológico e socioeconômico. "O mérito de Judith é quebrar a tradição da visão segmentada", explica Milton Asmus, professor de Oceanologia na universidade. "Seus alunos aprenderam, por exemplo, que, para desenvolver a região costeira, é preciso pensar além de atividades estanques. A costa não é propícia apenas à atividade portuária, turística ou agrícola. Isso tudo está integrado. E a comunidade local deve estar necessariamente envolvida nessa discussão."