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quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Tesouro do mar: excremento de baleia vale uma fortuna



Dejeto valioso: Parece uma pedra desgastada pelo mar, mas na verdade é âmbar-gris que, dependendo da idade, pode valer milhares de dólares

Tesouro do mar: excremento de baleia vale uma fortuna

O âmbar-gris, substância produzida pelas baleias cachalotes machos após um jantar à base de lula, entra na composição de perfumes – e nas antigas receitas orientais para ganhar força e aumentar a virilidade
por Cynthia Graber

Pedras e “torrões” que à primeira vista parecem lixo em praias ou boiando nos oceanos podem valer milhares de dólares: são fragmentos de âmbar-gris, uma substância produzida pelas baleias cachalotes machos após um jantar à base de lula: os bicos duros e pontudos dos moluscos irritam as vísceras das baleias. Os cientistas acreditam que as cachalotes produzem essa pasta gordurosa no estômago para proteger seus intestinos. Algum tempo depois, os animais eliminam um enorme “torrão”, que pode ter centenas de quilos.

Blocos pretos viscosos e mal-cheirosos de âmbar-gris recém-expelido flutuam na superfície do oceano. O Sol, o ar e a água salgada oxidam a massa, e a água evapora continuamente. O bloco endurece, se quebra em pedaços menores, incrustados com bicos de lula, e finalmente se torna cinza e com aspecto de cera. Então, esses fragmentos começam a exalar um aroma doce que lembra tabaco, pinho ou matéria vegetal em decomposição. A qualidade – e o valor – de um fragmento depende do tempo que ficou flutuando, diz o especialista e comerciante de âmbar-gris Bernard Perrin, “pois ele envelhece como um bom vinho”.

Por milhares de anos, esse tesouro dos mares foi altamente valorizado. No Oriente Médio, os homens transformavam o âmbar-gris em pó e o ingeriam para ganhar mais força e virilidade, combater males do coração e do cérebro e ainda temperar alimentos e bebidas. Os chineses o chamavam de “fragrância da saliva do dragão”. Os antigos egípcios o queimavam como incenso. Um tratado médico inglês da Idade Média informa aos leitores que o âmbar-gris pode acabar com dores de cabeça, resfriados e epilepsia, entre outras doenças. E os Portugueses conquistaram as Maldivas no século XVI em parte para ganhar acesso às porções generosas da substância cheirosa nas ilhas.

A palavra árabe anbar se refere especificamente a essa substância produzida pela cachalote e é a raiz da palavra “âmbar”. Há séculos os franceses usavam os termos amber gris e amber jaune (âmbar-gris ou cinzento e âmbar amarelo) para distinguir o âmbar-gris de origem animal daquilo que hoje se tornou o significado padrão da palavra “âmbar”: a resina vegetal dourada.



Fábrica de âmbar-gris: Como o âmbar-gris ainda não pode ser sintetizado, as cachalotes continuam sendo as únicas produtoras da substância, graças à dieta rica em bicos pontudos de lulas

Assim como outros ingredientes de origem animal (o almíscar, por exemplo), o âmbar-gris tem um aroma todo próprio – derivado de seu componente químico, a ambarina –, e entra na composição de perfumes famosos como o Chanel no. 5. Ele também enriquece outras notas olfativas do perfume (como o sal ressalta o sabor dos alimentos) e, principalmente, prolonga os outros aromas uma vez que as moléculas de odor possuem uma grande afinidade com outras moléculas lipofílicas. Ficam, assim, associadas ao âmbar-gris, cujas moléculas são maiores e mais pesadas, e não evaporam todas de uma só vez, explica George Preti, químico de odores do Monell Chemical Senses Center nos Estados Unidos.

As empresas americanas de perfumes não usam mais o âmbar-gris em seus produtos, principalmente por causa da legislação confusa em relação à sua venda no país. Internacionalmente, no entanto, o comércio é legal e Perrin não tem problemas para encontrar empresas francesas que comprem seu estoque. “Também vendemos para uma família real no Oriente Médio, que o utiliza como afrodisíaco. Aparentemente, eles tomam uma mistura de leite, mel e âmbar-gris moído”, ele conta.

Muitos aspectos do âmbar-gris permanecem misteriosos. Por que a substância é comumente mais encontrada no hemisfério Sul, apesar das cachalotes viverem nos oceanos do mundo todo? E por que somente as cachalotes – e particularmente os machos – a produzem? Como os antigos habitantes do Oriente Médio decidiram usar o âmbar-gris como medicamento, ou decidiram que a “eau de baleia” seria uma fragrância atraente?

Nem todas as qualidades aromáticas do âmbar-gris foram sintetizadas; assim, o original continua valioso. Com a população de cachalotes reduzida de 1,1 milhões, antes da pesca de baleias, para aproximadamente 350 mil hoje, menos âmbar-gris flutua no mar. No entanto, Whitehead diz que a população está se recuperando lentamente, e que apesar da maioria dos “torrões” encontrados acabam sendo pedras ou cera ou outros dejetos do oceano, especialistas e pescadores continuam desbravando praias e ondas na esperança de encontrar esse tesouro do mar.

Fonte:American Brasil