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domingo, 10 de agosto de 2008

REPORTAGEM: ALERTA VERDE

Dados preliminares de inventário realizado em todo o território catarinense revelam que áreas antes ocupadas por florestas nativas hoje dão lugar a reflorestamento com pinus e a campos para pecuária

Alerta verde

Ambiente
Reportagem Especial - Diário Catarinense

Um novo inventário florístico-florestal vai revelar o que resta de Mata Atlântica em Santa Catarina.
Informações preliminares do estudo em andamento antecipam uma paisagem alarmante. De 124 pontos já visitados pelos pesquisadores no Planalto Norte e na Serra, 22% não apresentavam
mais a vegetação original de mata de araucárias.

As informações atuais sobre as condições da floresta e a variabilidade genética da vegetação estão defasadas. De acordo com dados divulgados este ano pelo SOS Mata Atlântica, mas referentes a 2005, o Estado possui 23,87%, ou 23 mil quilômetros quadrados, da cobertura vegetal remanescente.

A idéia do inventário é mapear todas as áreas recolhendo amostras de plantas em 600 pontos escolhidos aleatoriamente espalhados pelo Estado a cada 10 quilômetros. Com esse material, que constitui a primeira meta do inventário, parte-se para os objetivos seguintes: integração dos bancos de dados de quatro herbários catarinenses, elaboração de um sistema de informações florestais georreferenciado, identificação genética das espécies ameaçadas e diagnóstico do potencial econômico, social e cultural das espécies nativas.

- O inventário é um retrato do que existe de vegetação no Estado. Não só quantidade, mas também a qualidade do que se tem - afirma Adriana Dias, coordenadora do projeto na Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina (Fapesc).

A primeira fase do censo florestal começou em novembro do ano passado com a coleta do material no Planalto Norte e na Serra.
- Fizemos um levantamento detalhado, recolhendo amostras de ramos e medindo o diâmetro de 400 árvores com troncos acima de 10 centímetros em cada unidade amostral - explica o engenheiro florestal e professor da Universidade Regional de Blumenau (Furb), Alexander Vibrans.

Poucos são os locais com Mata Atlântica conservada

Vibrans coordena as equipes que fazem o trabalho de campo, com seis pessoas em cada grupo. Os pontos visitados por eles se estendem por quatro braços de mil metros quadrados cada. Esses locais são definidos como unidades amostrais todas as vezes que encontram uma área coberta por mata nativa.
- Fomos a 124 pontos, mas 28 deles não puderam ser estudados por não possuírem mais florestas. Metade desses pontos agora são áreas agrícolas e 14%, reflorestamento de pinus - diz Vibrans.

Além de não encontrarem a vegetação original em 22% dos locais, as equipes constataram que quase todas as unidades apresentam problemas de degradação.
- As áreas são usadas para pastoreio, exploração e roçado. A maneira mais rápida de acabar com uma floresta é colocar gado em cima. É isso que estão fazendo. O gado pisoteia o solo e come a vegetação que resta - explica o professor.

Poucos foram os locais com remanescentes da Mata Atlântica em bom estado de conservação.
- Vimos desmatamentos recentes. Ainda tem gente desmatando, e não é pouco - constata Vibrans.

Para ele, essa é uma tendência que deve ser observada também nas outras regiões.
- O Oeste, por exemplo, é ainda mais fragmentado e encontraremos, no mínimo, esse mesmo percentual.


Desmates avançam no estado de Santa Catarina

Equipe desbrava matas

O trabalho das equipes para coletar as amostras para o inventário florístico-florestal não é fácil. Os pontos para visitação, previamente definidos de forma aleatória, podem ser em lugares de acesso rápido ou em regiões onde só se chega a pé.

Para encontrar o ponto certo, um engenheiro florestal, um biólogo, um estudante universitário, um auxiliar e dois rapelistas usam um aparelho GPS (Sistema de Posicionamento Global).
- Dependendo da região, podemos levar de seis a sete horas para chegar ao ponto certo. Lá, nosso trabalho demora uma média de oito horas. Algumas vezes, a equipe consegue ir e voltar no mesmo dia. Outras, é preciso montar acampamento e ficar até o dia seguinte - conta o coordenador do trabalho de campo, Alexander Vibrans.

Para realizar a coleta das folhas e flores e a medição dos troncos e galhos, os rapelistas escalam as árvores. Algumas vezes, até estilingue é usado para cortar os ramos. Esse trabalho é feito nos meses da primavera e do verão.
- Mas isso não é porque temos medo de sair a campo no frio. Devemos coletar exemplares com flores para ajudar na identificação, e elas só podem ser recolhidas nessas estações - explica Vibrans.

Depois do trabalho no meio das florestas, os ramos são levados para a Universidade Regional de Blumenau (Furb). Lá, são transformadas em exsicatas, exemplares desidratados (como os publicados em forma de detalhes nos textos desta reportagem) armazenados em locais de baixa temperatura e umidade, e guardadas no Herbário Roberto Miguel Klein, localizado na instituição.
As informações levantadas farão parte de um banco de dados único envolvendo outros três herbários catarinenses. As exsicatas também ajudarão na identificação da variabilidade genética das espécies e no mapa da quantidade e qualidade delas no Estado.


Rapelistas escalam as árvores para coleta de folhas e medição dos troncos

Modificações genéticas ameaçam as espécies

Um dos objetivos do inventário florístico-florestal é a coleta de dados para subsidiar políticas públicas florestais no Estado.
- O projeto começou com a Resolução 278 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que proibia a derrubada de espécies em extinção da Mata Atlântica. Aqui, nossa maior preocupação é com as espécies de canela, imbuia, xaxim e araucária - relata o coordenador do inventário na Secretaria Estadual de Agricultura e Desenvolvimento Rural, Silvio Thadeu de Menezes.

Para definir se uma espécie corre risco de ser extinta, não basta analisar a área coberta por seus exemplares. A identificação da variabilidade genética também é essencial.
- O cruzamento entre exemplares da mesma família reduz a qualidade genética da espécie. Temos indicações, por exemplo, que as araucárias já têm depreciação genética - diz a coordenadora do projeto na Fapesc, Adriana Dias.

Menezes explica que, com essa espécie, houve uma seleção às avessas.
- Os melhores exemplares foram derrubados e ficaram os piores. Com os dados coletados, podemos até pensar em trazer mudas de outros estados para começar um cruzamento para melhorar as matas restantes - acrescenta.

Estudo vai apontar eventual exploração sustentável

Além de proteger as espécies em extinção, o inventário mostrará que tipos de plantas podem ser aproveitadas economicamente.
- Alguns dados indicam que o xaxim poderia sair da lista de espécies em risco, o que proporcionaria a elaboração de um projeto de exploração sustentável dessa planta - conclui o coordenador do inventário.

Para o professor da Furb Alexander Vibrans, as informações também podem evitar novas devastações.
- Estamos quantificando a biomassa florestal. Com isso, saberemos quantas toneladas de carbono possuímos nas florestas. Os agricultores poderão vender créditos de carbono para empresas poluidoras. Eles seriam remunerados para não derrubarem as árvores - explica.


Pontos de visitação são definidos de forma aleatória, e alguns são de mata fechada, com o acesso possível apenas a pé

Estado antecipa-se a projeto nacional

Santa Catarina é o primeiro Estado brasileiro a realizar um inventário nos moldes do futuro inventário nacional. A verba, no entanto, vem do governo do Estado. Já foram investidos aproximadamente R$ 2,2 milhões no projeto desde 2005. Para finalizar o levantamento, serão necessários mais R$ 3,8 milhões.
- Esse dinheiro já está praticamente todo aprovado. Mas, como estamos em ano eleitoral, pode haver atraso na liberação do recurso - explica o coordenador do inventário na Secretaria Estadual de Agricultura e Desenvolvimento Rural, Silvio Thadeu de Menezes.

Mesmo com esse contratempo, o Estado pretende encerrar todo o levantamento no próximo ano.

- Para isso, teremos que fazer as duas últimas fases juntas, entre setembro deste ano e maio de 2009. A equipe deverá ser dobrada e trabalharemos no Oeste e na faixa de Serra Geral e Litoral ao mesmo tempo - explica o professor da Furb Alexander Vibrans.

Também no próximo ano, o Ministério do Meio Ambiente planeja começar o inventário nacional reunindo informação de todos os ecossistemas brasileiros.

- Já foi feito um inventário nacional na década de 1980, mas aquele focava a busca por fontes alternativas de energia como uma solução para a crise do petróleo. O valor da floresta era outro e não foi possível levantar todos os dados - lembra o gerente de Informações Florestais do Serviço Florestal do Ministério do Meio Ambiente, Joberto Freitas.

Ministério testará a metodologia catarinense

Para seu início, o ministério deve testar a metodologia já usada em Santa Catarina em regiões com características diferentes, como caatinga e pantanal.

Os estados que já realizaram ou estão com seu inventário em andamento também terão seus dados agregados à pesquisa nacional.

- O problema é que Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que já terminaram os trabalhos, e São Paulo, que está fazendo agora, iniciaram a pesquisa antes das discussões do inventário nacional e usam, cada um, uma metodologia. Se não padronizarmos, no final, teremos uma colcha de retalhos - observa Freitas.


Padre Raulino Reitz, botânico que junto com o ecólogo Roberto Klein registraram 95% das plantas de Santa Catarina

Padre foi pioneiro em Santa Catarina

Muito antes de se pensar em realizar um levantamento oficial para conhecer a situação da flora catarinense, dois pesquisadores foram a campo para catalogar as espécies nativas da Mata Atlântica.

O botânico e padre Raulino Reitz e o ecólogo Roberto Klein registraram 95% das plantas de Santa Catarina em suas andanças pelo Estado entre os anos de 1954 e 1964. Esse trabalho fez de Santa Catarina o pioneiro no Brasil a conhecer sua vegetação.

O levantamento começou pela iniciativa de padre Raulino que, ainda como estudante no Rio Grande do Sul, recolheu exemplares de plantas daquele Estado. Lá, fundou, em 1942, o Herbário Brabosa Rodrigues com mil exsicatas. Transferido para Santa Catarina, o sacerdote, que já era um pesquisador conhecido internacionalmente por seus estudos sobre bromélias, ajudou a cidade de Brusque a combater uma epidemia de malária na década de 1950. Foi aí que se juntou ao ecólogo Roberto Klein para pesquisar a flora de todo o Estado.

- Eles brincavam que eram duas metades que formavam um todo. O botânico fazia a identificação das plantas e o ecólogo estudava a relação delas com o ambiente - conta Zilda Helena Deschamps Bernardes, secretária administrativa do Herbário Barbosa Rodrigues há 36 anos, Os dois pesquisadores dividiram o Estado em 180 estações de coleta de um quilômetro quadrado cada. Os pontos escolhidos eram visitados durante as quatro estações do ano para fazer o acompanhamento do desenvolvimento das plantas.

- Eles aproveitavam os finais de semana e feriados para visitar os locais. Usavam bicicleta, moto, jipe, charrete, canoa... qualquer meio de transporte para chegar às regiões. As plantas só eram coletadas quando estavam férteis, com flores e frutos - conta Zilda.

O trabalho dos pesquisadores pioneiros e de outros que seguiram seus caminhos renderam ao herbário a descoberta de 327 novas espécies de plantas, entre elas 100 bromélias. A coleção dos estudos está guardada em um acervo de mais de 70 mil exsicatas armazenadas em 548 latas próprias para a conservação, fazendo do Barbosa Rodrigues, hoje sediado em Itajaí, um dos maiores do país.

Para divulgar os estudos para a sociedade científica, desde 1965 o Herbário Barbosa Rodrigues publica a enciclopédia Flora Ilustrada Catarinense.

- Os pesquisadores que vêm aqui costumam dizer que ela é a bíblia da botânica por ser tão completa - relata a orgulhosa Zilda.


Fonte: Diário Catarinense - TATYANA AZEVEDO ( tatyana.azevedo@diario.com.br )