Páginas

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Um pé de Regina

Regina Casé se orgulha de ser uma das pioneiras em levar as manifestações culturais das favelas para a televisão
Foto(s): Zé Paulo Cardeal, globo, divulgação

Ela dá visibilidade à periferia, aos excluídos, aqueles que jamais freqüentariam os programas de grande audiência em horário nobre.


Do mesmo jeito ela faz um maravilhoso trabalho sendo a porta voz da flora brasileira, tudo com muito bom humor, recheado com histórias das mais interessantes e informações técnicas que educam e inspiram ações em prol da preservação ambiental. Tudo isso num programa de menos de meia hora de duração chamado "Um Pé de Quê?" e que certamente será lembrado como um registro fidedigno da natureza nos nossos tempos, como um retrato do nosso relacionamento com as árvores, das condições em que elas se encontram e uma possibilidade de comparação entre o passado e o futuro, dando um diagnóstico dos problemas e possibilitando planejarmos nosso rumo visando um melhor equilíbrio entre nós e o meio ambiente.


Abaixo uma entrevista publicada no Jornal Diário Catarinense em 30 de outubro:


"Uma condição planetária"
Entrevista Regina Casé, atriz e apresentadora de tv
CZN/DC/Rio de Janeiro

Regina Casé, 53 anos, já teve vergonha de fazer TV. Nos anos 1970, quando integrava o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, a atriz era da turma que exaltava o teatro experimental e os filmes de vanguarda. Nesta época, a televisão era considerada pelo restrito grupo um veículo sem relevância cultural. Trinta anos depois, a atriz e apresentadora do quadro Minha Periferia, no Fantástico, passou a defender ferozmente a televisão.

- Essa é a única opção de diversão para milhões de pessoas. A TV é a mídia do Brasil. É o que fazemos de melhor - diz a carioca.

O interesse pela TV aumentou quando Regina começou a mostrar o lado mais alegre das classes menos favorecidas. Regina, que começou a carreira em novelas em 1978, em Tudo Bem, na Globo, logo enveredou para o humor em programas como Chico Anysio Show, em 1982, e TV Pirata, em 1988. Mas foi com o Programa Legal, em 1992, que ela passou a apresentar as facetas das periferias e favelas na TV.

- Quando vejo a quantidade de coisas boas da favela que já estão em cadernos de cultura, sei que tenho uma contribuição grande. Me sinto orgulhosa em mostrar a cultura deles - diz.De lá para cá, foi praticamente uma militância em tentar discriminalizar a produção cultural da pobreza, em programas como Muvuca e Central da Periferia, produzido por sua produtora, a Pindorama Filmes.

- Sofro para caramba fazendo TV. Se você faz um filme, ele passa em milhares de lugares, vai para festivais. Na TV, faço um programa com o mesmo empenho e ele só vai ao ar uma vez. É cruel - lamenta a atriz , que planeja voltar a trabalhar mais como atriz em 2008. Regina jura que não vai deixar as novelas de lado. Sua última atuação foi em Amazônia - De Galvez a Chico Mendes. Já em novela, sua última participação foi em As Filhas da Mãe, em 2001. Antes disso, a atriz viveu a Albertina, em Cambalacho, há 21 anos.

- A interpretação me ajuda a também trabalhar emoções variadas durante uma entrevista - justifica.

Regina Casé não disfarça o orgulho de estar envolvida em projetos sociais na TV. Há sete anos ela comanda Um Pé de Quê no Futura. Esse projeto lhe deu um dos impulsos para começar a mostrar as favelas e periferias na TV. Foi quando gravou o programa sobre a árvore Favela, proveniente do Arraial de Canudos, na Bahia.

Para facilitar a produção de seus projetos na TV, a apresentadora costuma produzir seus programas com a Pindorama Filmes, empresa da qual é sócia com seu marido, o produtor Estevão Ciavatta. A dupla também produziu a série Cidade dos Homens, em 2005, na Globo, o primeiro programa dirigido por Regina na TV.

Pergunta - Como porta-voz das periferias você também faz apologia dessas comunidades ao glamourizar ritmos como o funk, que muita gente considera subcultura. Ser parcial não é também ser pouco crítica?

Regina - Não considero parcialidade perceber meu país e minha cidade como um todo. Não que tenha feito uma opção por algum lado. Mas quando vejo a quantidade de coisas boas da favela que já estão em cadernos de cultura sei que tenho uma contribuição grande. Muitos têm preconceito com a música que eles produzem, com as condições em que moram, com a roupa que vestem. Toda essa estética é considerada ou informal ou ilegal ou pirata ou criminal. Esse limite entre o informal e o criminoso é muito tênue. Mas me orgulho de ter levado a TV para dentro da favela.

Pergunta - Você aborda a favela e as periferias na TV de uma forma bem-humorada. Como tem sido mostrar o lado alegre da pobreza?

Regina - A pobreza é digna de ter alegria. Essas milhares de pessoas carentes sofrem preconceito apenas por ter o endereço da favela, além de serem pobres e negras. Não tenho falsa modéstia de ser uma pioneira. Caminho com a intenção de ver como todos podem conviver juntos com as diferenças e ter as mesmas oportunidades, a mesma escola. É uma questão de justiça. Hoje em dia, quando vou num restaurante bom, as pessoas me rotulam, dizem que eu sou da periferia. "Você aqui?". Falo: "Sou uma mulher livre, posso circular em qualquer lugar. A vantagem é que freqüento locais onde muitos não entram" (risos). Não vou criar personagens. Moro no Leblon, tenho uma casa ótima, vou a qualquer lugar. Mas vou com muita freqüência às favelas. Não faço isso para ajudar os pobres, os negros, ou ser legal. Tudo que eu reconheço como alegre, que é o samba, o Carnaval e a feijoada, vem dos pobres.

Pergunta - Por que ficou interessante falar sobre a pobreza nos segmentos de cultura?

Regina - A sociedade está acostumada a se ver apenas parcialmente, como a sociedade formal e informal. Até outro dia, todas as novelas só tinham brancos em apartamentos bons. O pobre, no máximo, morava numa vila. Isso é porque a gente ainda se vê parcialmente no espelho. Todo mundo conhece alguém que mora na favela. Todos fecham o vidro e passam rápido quando estão numa favela, da mesma forma que tampam o nariz quando passa um caminhão de lixo. Mas temos de pensar que nós produzimos aquilo. No mundo todo, com o crescimento das cidades, as favelas aumentam de uma forma absurda. Todo mundo fica igual diante desse problema.


Pergunta - O que mais a surpreendeu nas gravações de Minha Periferia em Angola, México e França?

Regina - Perceber que as favelas e periferias não são exclusivas de cidades como Rio e São Paulo. Esta é uma condição planetária. Mas você pode ir a Paris várias vezes e nem saber que existe periferia. Comecei a me tocar que seria interessante falar dessas outras realidades quando gravei meu programa Um Pé de Quê, em Moçambique. Comprei um tecido todo escrito e perguntei o que significava. Eram nomes de favelas. Fui conhecê-las e isso gerou uma série de reportagens no Fantástico. Depois, escolhemos um país mais pobre, um parecido e um mais rico que o nosso para o Minha Periferia. O resultado é emocionante.

Pergunta - Esse ano você voltou à dramaturgia com uma parteira em Amazônia - De Galvez a Chico Mendes. Como foi essa experiência em sua primeira minissérie?

Regina - Uma vez encontrei com a ministra Marina Silva e pensei que ela fosse falar do meu trabalho ambiental com Um Pé de Quê. Mas ela falou da minissérie. Disse que chorou o tempo todo porque lembrou da avó que era parteira no seringal. Ela chorou, eu chorei. Ela ficou comovida e eu também por ainda emocionar as pessoas com a minha atuação. Mas tem sido muito difícil trabalhar como atriz.

Pergunta - Por quê?

Regina - Tenho orgulho da minha carreira como atriz, mas acho que isso eu fiz muito malfeito. Não consegui equilibrar os programas com a atuação. O público me cobra muito e eu adoro atuar. Os dois lados se alimentam. Talvez não teria feito o filme Eu Tu Eles direito se não tivesse gravado anos de Brasil Legal e Um Pé de Quê. Vi mil mulheres e lugares como aquele. Sabia como essas mulheres se comportavam. A interpretação ajuda a trabalhar emoções variadas até numa entrevista. Mas amo fazer novela. Acordo, marco o texto com o lápis rosa, decoro, chego lá, encontro mil amigos, me divirto, venho para casa, durmo e não tenho nada a ver com aquilo. Quero fazer ficção, humor. Estou roxa de saudades do humor. Adoro fazer macacadas. Eu quero tudo.

Fonte: DC